Quando criança, a gente assiste aqueles filmes da Disney cheios de clichês românticos e começa a fantasiar uma vida inteira baseando-se na história que eles contam. A jornada do herói (da heroína, no caso) é sempre a mesma: a mocinha bonita e indefesa é ameaçada por alguma criatura maldosa que não quer sua felicidade, ela entra em perigo e eis que surge um homem lindo do meio do nada e eles se apaixonam. É amor à primeira vista e ela permanece ali esperando ser salva, porque ela sabe que aquele príncipe vai resgatá-la no último instante. Dito e feito. Ele destrói o vilão, resgata a mocinha, os dois se casam e vivem felizes para sempre.
Você vai se desenvolvendo atada às histórias que os contos de fadas dissertam. Deseja com todas as forças encontrar o seu príncipe no cavalo branco, se apaixonar instantaneamente por ele e que ambos sejam o amor um do outro para sempre. Só um amor, pelo resto da vida. E então você começa a crescer...
Você provavelmente não considerou a hipótese de que ele não fosse um príncipe, tampouco que ele não se apaixonaria perdidamente por você. Passa noites em claro pensando no que a Cinderela teria feito se fosse com ela ou se sua mãe já passou por isso também. Ele anda de ônibus e não tem coragem nem de enfrentar o irmão mais velho, quem dirá o dragão que "vai te sequestrar e te prender na torre". Só que, diferente dos anteriores, esse é especial de verdade. Não foi instantâneo, você olhou para ele e achou estranho como ele anda desengonçado, mas os olhos dele te sorriram de uma forma tão singular que você pode até achar que não tem nada a ver, mas o jeito que ele te cumprimentou com o levantar das sobrancelhas, despertou uma coisa maluca e nova em você.
Vocês se tornaram amigos e passaram a dividir cada experiência do dia um com o outro. Foi na espera das ligações, das mensagens, do esbarrão pelos corredores da escola, foi exatamente aí que você teve a certeza de que podia estar amando esse cara. Provavelmente depois de alguns encontros vocês se conheceram melhor, ficaram juntos e alguns contratempos atrapalharam o romance. O problema surgiu quando você percebeu que você era dele, mas ele estava longe de ser seu. Ele simplesmente sumiu, parou de te ligar, começou a evitar os corredores quando sabia que você poderia aparecer ali. Ia embora mais cedo, ou mais tarde só para não ter que te encarar. Aí ele virou o vilão das histórias infantis e você não tinha mais príncipe para te salvar, só sua própria força. Você perguntava aos amigos dele como ele estava e as respostas eram as mesmas, sempre vazias e sem sentido. Você ainda tinha na cabeça aquela velha história de que se ama só uma vez na vida. Achava que esse cara, independente de todas as coisas ruins - problemático, distante, confuso e medroso - seria o único que faria seu coração pegar impulso na boca do estômago e entalar no meio da garganta. Doeu, feriu e sangrou. Até o instante em que você decidiu ser a heroína no cavalo branco da sua própria história e acabar de uma vez por todas com esse vício de destruições em massa, colocando-o no seu devido lugar: no passado. Vocês nunca mais se viram ou se falaram. Sabe-se apenas que ele ainda anda por aí arrasado com os mesmos dilemas de sempre, nada mudou.
Mas eu mudei. Mudei bastante desde o dia que ele levantou a sobrancelha para mim e mais ainda no dia em que decidi colocar um ponto final nesse capítulo da minha vida. E quando paro pra pensar, percebi que desconstruí o meu conto de fadas.
É... Até alguns anos atrás eu realmente acreditava que a gente era capaz de amar somente uma pessoa a vida toda. Mas, olha que loucura: é bizarra a ideia de amar para sempre uma pessoa que bateu e não ficou. Com o acúmulo de mancadas, quedas e cicatrizes, eu mal percebi que podia tirar alguma coisa boa de tudo isso, como tanto me disseram. Eu demorei a perceber que a gente nasceu para amar. Percebi que cada segundo foi crescimento. O meu amadurecimento depende das minhas ações e das reações que elas causam. Eu não tenho mais 14 anos e hoje a minha visão de mundo é bem diferente da de cinco anos atrás. Eu vejo como Lulu Santos: a vida melhor no futuro.
Eu mudei de lugar algumas vezes e mudei umas certezas também. Descobri que a gente pode sim amar mais de uma vez, e que um amor não anula o outro. Cada amor é singular e único. Mas você tem que ter o discernimento de que continuar insistindo num vendaval, vai te causar muito mais dor e sofrimento do que se ater a amar a calmaria do abrigo à frente.
Ele é seu primeiro amor. Eu pretendo ser o último. |
Eu amei um amor pesado, instável, maluco, fora dos eixos e que me arremessou do céu ao inferno inúmeras vezes. A gente não teve culpa se não deu certo. Eu não tive culpa de ele ter ido embora (como muitas vezes nós pensamos "será que o problema sou eu?"), ele não teve culpa da necessidade de outros quereres. Hoje eu sei que cada experiência é válida, ainda que machuque.
O segredo é se permitir amar de novo. É preciso coragem para seguir sobre os cacos do seu teto de vidro que despencou na sua frente. Mas, amores vem e vão e cabe a você decidir quando ele vai vir e ficar. Se o amor foi pesado e carregado, a hora não é de deixar morrer a esperança de que a sua alma vai encontrar outra que te transborde ao invés de te sugar. Um amor leve e gigante te espera em algum lugar. Na esquina da sua casa, na mesa de trás, na sala de aula ou no caminho para o trabalho tem alguém esperando para te amar. E depois de parar e curar suas feridas, restarão apenas cicatrizes. O que importa é se você está bem com sigo mesma, livre das suas cobranças e pronta para sair em resgate do seu príncipe da vida real. O lugar de cada amor fica, mas o bom de tudo isso é que o seu coração nunca vai cansar nem diminuir enquanto você não for feliz. Porque, cá entre nós, a única coisa verdadeira que você vai tirar dos contos de fadas é o feliz para sempre. Começando pelo seu próprio na vontade de se abranger no de outra pessoa.